quinta-feira, 22 de julho de 2010

Escolheu viver como queria




Entre meados do século XIX e o início do século XX os ocidentais parecem ter descoberto o deserto - ou pelo menos o romantismo do deserto, o apelo existencial do deserto. Rimbaud, Lawrence das Arábias, Isabelle Eberhardt, são apenas alguns dos que, talvez repugnados pelo spleen da velha Europa, descobriram uma outra vida.
Não serão muitas as mulheres que tiveram a força, ou sequer o desejo, de romper de forma total com as convenções do seu mundo naquela época - mudando de país, de religião, e, pelo menos na aparência, de género. Isabelle Eberhardt (1877-1904) morreu muito cedo, o que também não foi caso único entre estes viajantes de alma deslocada. Era filha de uma aristocrata luterana de família russa e de um anarquista de origem arménia, convertido ao Islão, que nunca assumiu a paternidade de Isabelle.
A própria mãe de Isabelle se converteu ao Islão, juntamente com a filha, quando de uma viagem ao Norte da África, em 1897. Isabelle já falava árabe desde os 12 anos. A sua mãe morreu nesse mesmo ano; Isabelle ficou na Argélia e, pouco depois, colocou-se ao lado dos nativos numa luta contra o domínio francês. Ao longo da sua breve vida, várias vezes se manifestou contra os colonizadores, o que foi mais um motivo para chocar a sociedade europeia da época e para que suspeitassem de que pudesse ser espiã.

Isabelle escolheu viver como queria. Para poder desfrutar da sua liberdade o mais possível, vestiu-se de homem (já o fazia, aliás, na Europa). Agora, com ambos os pais mortos e os irmãos encaminhados para um modo de vida tradicional, Isabelle instalou-se definitivamente no norte da Argélia. Trajando como um homem beduíno, viveu algum tempo como nómada, aventurou-se pelo deserto e participou na sociedade muçulmana, com o nome de Si Mahmoud Essadi, assumindo um modo de vida e uma fé (chegou a ter contactos com uma seita sufi) que sentia serem a sua vocação.
Em 1901 casou com Slimane Ehnni, um muçulmano de nacionalidade francesa, que dizia dela ser "a minha mulher Isabelle e o meu companheiro Mahmoud". Dessa forma, obteve ela mesma a nacionalidade francesa. Três anos mais tarde, Isabelle morreu subitamente, vítima de uma enchente do rio que fez derrubar a casa de terra batida onde acabara de se instalar. O marido sobreviveu três anos.
Isabelle deixou vários escritos sobre a sua vida - diários, relatos de viagem, ficção, e os artigos que publicou como repórter de guerra para o jornal Akhbar.
«Posso passar completamente despercebida por qualquer lugar, uma posição excelente para a observação. Se as mulheres não podem fazê-lo é porque a sua roupa chama a atenção. As mulheres foram sempre feitas para serem olhadas, e no entanto não parecem muito preocupadas com este facto. Creio que esta atitude dá demasiadas vantagens aos homens.»

Fonte: http://obviousmag.org/

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